Terça-Feira

pílulas semanais

Archive for fevereiro 2010

O Carnaval de Porto Alegre acabou

with one comment

Em 1996, voltei da praia de ônibus com a família e fizemos o caminho Rodoviária-Praça Rui Barbosa, no início da quarta de Cinzas. No caminho, várias pessoas jogadas nas ruas, com garrafas vazias na mão. Outras tantas de ressaca, olhos fundos, mas com cara de felicidade nos rostos. Vestindo as camisetas das suas escolas e pegando o ônibus para casa. Naquele dia, a mãe decidiu que compraria ingressos para a gente ver o desfile das campeãs do Carnaval na passarela do Carlos Alberto Barcellos Roxo, centro da cidade, perto do Harmonia. Vendo pessoas de ressaca no meio da rua. Talvez porque eram pessoas alegres, que curtiram muito aquele momento de beleza e de certa forma contagiavam de ressaca pós-orgástica o centro da cidade, cheio, lotado de foliões.

No dia 14 de fevereiro de 2010, domingo de carnaval, achamos um dos dois bares com gente da Lima e Silva para nos encostar. Mesa boa, conversa boa, desfile do Rio na tela. Não eram 3h30 quando nos expulsaram do bar, literalmente. Chuva. Absolutamente nenhum lugar pra ir, que não fosse o táxi de volta pra casa.

Tem gente que gosta de ver Porto Alegre ser uma cidade fantasma no Carnaval. Eu gosto de Porto Alegre vazia, especialmente quando acontecem feriados e afins. Mas no Carnaval, não. Uma cidade vazia no Carnaval é triste demais. Ainda mais uma cidade como Porto Alegre, que tem uma longa, vasta história de festejos de Momo. Eu não sou historiador. Basta dizer, pra mim, que há 100 anos adeptos dos blocos de carnaval Venezianos e Esmeraldas se engalfinharam para colocar suas cores no Internacional – venceu o vermelho e branco dos Venezianos.

Não quero a doce ilusão de que um dia, o carnaval de Porto Alegre poderá se comparar ao maior espetáculo da Terra, que vemos no sambódromo do Rio de Janeiro. Isso seria idiota pensar. Porto Alegre não tem poder econômico nem atrativos turísticos tais que possam fazer uma Marquês de Sapucaí – e o simulacro que existe hoje não passa de cópia de baixa resolução, em P&B. A questão toda é que, quando despacharam a negrada do Carnaval para o Porto Seco, para não atrapalhar o sono dos vizinhos do Alto da Bronze, também acabou o movimento de foliões, de bares, de bebidas, de tudo, na região que era do samba. Não que o Porto Seco não possa ter uma galera indo e vindo do sambódromo. A questão é o que restava de cidade carnavalesca em Porto Alegre foi excluído do coração da cidade. E aí, o carnaval de Porto Alegre acabou mesmo. A cidade virou cemitério.

A própria história cultural do Carnaval é meio torta. A ideia central era uma festa de final de inverno, para acordar a Terra a fim de voltar a produzir – e acordar os homens para voltar a se reproduzir. Para isso, teria de ser uma senhora festa mesmo. Aí, entrou a questão religiosa, que acabou por padronizar o Carnaval no mundo inteiro por um motivo fútil (a última data antes da Quaresma) e entortando a história, pois no hemisfério Sul, a festa de final de inverno sempre acontece no meio do verão, quando os hormônios estão lá em cima e a reprodução está a mil.

Como antropofagia nunca foi um problema para os índios de Pindorama, conseguimos transformar uma festa torta na maior festa de todos os tempos. A miscigenação, o calor e a sexualidade potencializaram a loucura aqui no Brasil, criando a insanidade que vemos hoje em Salvador, Rio, Recife, etc. O gaúcho, que nunca respeitou qualquer passagem da sua história que não tenha a ver com lanças, cavalos e peitaços, acabou por nunca entender direito como fazer um Carnaval do seu jeito. Até o Uruguai foi mais ligeiro, criando o desfile de murgas. Agora, o cenário que vemos é de jovens olhando o carnaval de forma blasé, carros e mais carros se bandeando para o mar de chocolate e uma cidade absolutamente acabada, abandonada, gelada na hora em que todos deveriam celebrar o fim do período de escuridão, ou o que um dia pareceu isso.

Não há tempo para reinventar o Carnaval de Porto Alegre. Eu louvo iniciativas como a do Pernambuco e da Vera Daisy, heróis da resistência, que conseguiram reativar blocos como a Rua do Perdão para animar a festa nas ruas da Cidade Baixa. O problema é que nada será como antes. Nem a periferia é a mesma de antes – e essa segue tão calada como é o centro de hoje. Por ora, a única coisa que eu espero é a sensibilidade de um dono de bar para deixar que um dia de Carnaval amanheça com um pouco de música e poesia, como é em tantos outros dias do ano. Não quero que a minha alegria e ressaca sirvam de inspiração para que outros pulem carnaval como eu. Só queria beber minha cerveja até o sol raiar. O único direito que eu reivindico de uma festa que não existe mais.

Written by Luís Felipe

fevereiro 15, 2010 at 11:52 pm

Publicado em 1